CONFUSÃO NA UMBANDA

Conflitos de Informações



Há muitos livros sobre a Umbanda. Temos diante de nos mais de vinte, além de revistas e jornais. Emanuel Zespo (pseudônimo de Paulo Menezes), Oliveira Magno, Lourenço Braga, Jayme Madruga, Aluízio Fontenelle e Heraldo Menezes são os autores principais. Mas quem ler estes livros todos para, afinal, saber o que é a Umbanda, ficará decepcionado. 

Não há unanimidade nem clareza. Cada um escreve por conta própria, persuadido de ter assistência especial de algum "guia" do além, o mais autorizado entre eles confessa: 

"Até hoje, nada de claro ao público, em matéria literária sobre Umbanda"(Emanuel Zespo, Codificação da Lei de Umbanda, Parte Científica, Rio 1g 51, p.16). 

Outro se lamenta: "Um autor contradiz o outro e vire-se em terrível confusão", depois precisa: "Os autores de Umbanda se contradizem asi próprios e não apenas a seus colegas", (Samuel Pônze, Lições de Umbanda, Rio Ig 54, p. 35). 

Não somente cada autor, cada chefe de terreiro proclama: "A Umbanda que aqui se pratica, é muito diferente dessa Umbanda que se pratica por aí afora". Pois: "lnúmeras são as contradições existentes , entre os próprios praticantes da Umbanda" (Aluízio Fontenelle, O Espiritismo no Conceito das Religiões e a Lei de Umbanda, Rio, p. 69). 

"Cada um procura fazer uma Umbanda a seu modo, e dentro do conceito que ele próprio imagina, de acordo com a sua instrução, com a sua capacidade de imaginação, com os seus conhecimentos e, quase nunca, com a orientação dada pelos seus próprios guias" (A. Fontenelle, Exu, Rio 1952, p. 60). 

"99% dos livros sobre Umbanda, a venda nas livrarias, não passam de fantasia, frutos da imaginação hábil de seus autores, que mais não visam senão uma falsa gloria ou dinheiro" (Yonori, Umbanda Industrie Rendosa, Rio 1954, p. 70).

Alguns, não obstante, conseguiram reunir grupos maiores. Formaram-se assim a Confederação Espirita Umbandista (dirigida por Byron Torres de Freitas e Tancredo da Silva Pinto), a União Espiritista de Umbanda (sob as ordens de Jayme Madruga), a Fraternidade Eclética Espiritualista Universal (chefiada pelo Sr. Oceatto de Sá, autor do Evangelho de Umbanda, que se convenceu de ser o João Batista reencarnado, pelo que se denomina "Afestre Yokaanam") e a União dos Espiritistas de Umbanda (comandada talvez por Lourenço Braga ou Manuel L. Barbosa). 

Mas todos eles lutam entre si. Uns querem voltar ao mais puro africanismo; outros rejeitam energicamente todos os elementos africanos; outros propunham um sincretismo religioso absoluto e indefinível; mais outros pretendem ter encontrado a mais pura Umbanda nas religiões da Índia; nem falta quem declare que "o livro fundamental de Umbanda é a Bíblia, com o antigo e o novo Testamento, tal como estão escritos, não se admitindo interpretações simbólicas: aceitar ou recusar in totum o que está escrito, eis a pedra de toque do cristão umbandista". 

O umbandista Samuel Ponze escreve em Lições de Umbanda (Rio 1954): "Logo de inicio foram fundadas no Rio de Janeiro quatro federações e transformaram-se em organizações rivais que se enfraqueciam empenhando-se em lutas estéreis umas contra as outras" (p. 24); "reina a anarquia, a incompreensão, a vaidade, a inveja, a mistificação, a pouca cultura entre a maioria dos Umbandistas'' (p. 26); cada qual quer ser o maior. Cada chefete de terreiro acha que acima de seu guia ou de seus guias, só Deus!" (p. 27).

E por que toda essa confusão, essa falta de clareza, de unanimidade e de união? Os melhores e mais entendidos entre os umbandistas são suficientemente francos para confessa-lo. Eis ai algumas declarações que convém registrar:

— "Qualquer cidadão, bem ou mal intencionado, bem ou mal preparado, funda centros de Umbanda. Basta organizar uma diretoria, fazer uns estatutos e usar e abusar do artigo 141 da Constituição Brasileira;… uma vez registrado o centro, ele funciona com o beneplácito da polícia, e comete o bem ou o mal, segundo as boas intenções ou a burrice de seus dirigentes" (S. Ponze, obra citada, p. 25).

— ''Todos os dias nascem novos terreiros de Umbanda que são chefiados por pessoas de parcos conhecimentos espiritualistas. No geral são membros de outros terreiros mais antigos que se rebelam contra os caciques e saem para a aventura do espiritualismo prático, sem armas de defesa, sem uma formação sólida, sem uma longa experiência" (E. Zespo, Codificação da Lei de Umbanda, Parte Pratica, Rio 1953, p. 97) ''Como então se fundam terreiros e mais terreiros de Umbanda por este Brasil, sem outras exigências que as da elaboração de um estatuto social quase profano e licença das autoridades para funcionar como funciona qualquer sociedade bailante e recreativa?" (ib. p. 98).

No meio de tanta confusão é evidente a dificuldade em dar uma orientação definitiva sobre a Umbanda e que satisfaça todos os umbandistas. Faremos, entretanto, o possível para não sermos injustos ou injuriosos. Não nos propomos propriamente um estudo de Etnografia. Queremos mostrar apenas aos irmãos na fé católica o que é este movimento religioso que atualmente se alastra pelo Brasil afora com o estranho nome de Espiritismo de Umbanda, ou Lei de Umbanda ou simplesmente Umbanda. Não é, por conseguinte, intenção nossa fazer um ensaio sobre o Africanismo no Brasil. Não investigamos o passado: procuramos conhecer o presente. 

Como organização, o movimento umbandista é bastante recente. Seus dirigentes procuram açambarcar, sob a bandeira de Umbanda, os movimentos populares do Batuque (no Sul), da Macumba (no Rio) e do Candomblé (na Bahia). 

Não estudaremos nenhuma dessas três denominações particularmente: o que veremos é a sua conjunção, uma espécie de superestrutura que, procurando coordenar os elementos do Batuque, da Macumba e do Candomblé, pretende oferecer-lhes uma fachada mais atraente e aceitável também para o civilizado e o cristão. A isso dão a exótica denominação de Umbanda.

A PALAVRA "UMBANDA"

A confusão já se manifesta na explicação da origem e do significado da própria palavra "Umbanda".

No fascículo de Junho de 1954 o Jornal de Umbanda (Rio, p. 2) ainda lemos: "Há mil e uma interpretações sobre a palavra Umbanda. Essa palavra é um constante e permanente desafio aos estudiosos do assunto. Uns dizem que é Luz lrradiante, outros dizem que é Banda de Deus, há os que dizem que é Corrente Espiritualista e vai por aí afora, porém tudo vago e indefinido, sem haver, entretanto, uma explicação cabal e convincente". A tendência geral era de não admitir que seja de origem africana. O primeiro Congresso de Espiritismo de Umbanda, realizado no Rio de Janeiro em Outubro de 1941, tinha a manifesta preocupação de mostrar que a Umbanda é de origem antiguíssima, vem dos hindus, contemporânea dos Vedas, que depois passou a África, donde veio para o Brasil, Eis o teor das primeiras duas conclusões unanimemente aceitas pelo dito Congresso:

"1) O Espiritismo de Umbanda é uma das maiores correntes do pensamento humano existentes na terra há mais de cem séculos, cuja raiz provém das antigas religiões e filosofias da índia, fonte de inspiração de todas as demais doutrinas filosóficas do Ocidente".

"2) Umbanda é palavra sânscrita, cuja significação em nosso idioma pode ser dada por qualquer dos seguintes conceitos: Princípio Divino, Luz lrradiante, Fonte Permanente de Vida, Evolução Constante".

Aluísio Fontenelle, todavia, resolve que a palavra em questão vem da Bíblia, que originariamente teria sido escrita em língua "palli", donde teria sido vertida para o hebraico. E naquela língua a palavra "Umbanda" significa: "Na Luz de Deus", ou Luz Divina (cf. A Umbanda através dos séculos, Rio 1953, p. 17). Mas o autor do Evangelho de Umbanda ("Mestre Yokaanam") dirimiu a questão sem maiores complicações: "Umbanda vem de Um e Banda". E depois esclarece: "Um significa Deus, em linguagem simplificada oriental, para não entrar em detalhes esotéricos;e Banda significa Legião, exército"; logo Umbanda quer dizer "Legionário de Deus" (p. 44). Seria interessante saber qual é essa misteriosa "linguagem simplificada oriental"…

Tudo isso, entretanto, não passa de devaneios e fantasias. O Dr. Artur Ramos já conhece a palavra, que é de origem africaníssima, designando o grão-sacerdote do culto bantu ou o evocador dos espíritos (cf. O Negro Brasileiro, I vol. Etnografia Religiosa, 3ª ed. p. 107 e 102). Por isso também o recente Catecismo de Umbanda (Rio 1054) concede despretensiosamente: "Umbanda é uma palavra africana, significando ora o sacerdote, ora o local onde se praticava o culto" (p. 7).

Axé


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