NATUREZA
Culto a Espiritualidade
A vida surgiu em nosso planeta muito antes da presença humana. Já nos primórdios da Terra os primeiros seres com composição simples em sua estrutura evoluíram nas águas onipresentes.
Cerca de dois milhões de anos atrás os primeiros hominídeos começaram o que seria a nossa evolução. Passamos centenas de milhares de anos vivendo uma relação intrínseca aos ciclos da natureza e mantivemos esta rotina até que pequenos grupos começaram uma nova fase evolucionária.
Na região chamada de Mesopotâmia, iniciamos um processo chamado de sedentarização em que a domesticação dos animais e o surgimento da agricultura começam a construir uma nova maneira do homem e a natureza se relacionarem.
A evolução do homem representou uma mudança nas relações sociedade-natureza, confirmando a ideia de que o homem estabelece uma forte relação com a natureza, por meio de ter dependências históricas por isso, tem respeito a ela, e de certa forma, essa dependência tem fundamento na cultura da sociedade.
Como exemplo disso, podemos dizer que nas sociedades nômades e coletoras, a ideia de natureza revestia-se de um caráter sagrado.
NESTE PERÍODO A NATUREZA PERDE NA VIDA DO HOMEM SUA SACRALIDADE
Tratava-se de uma noção orgânica em que todos os seres vivos pertencem ao mesmo mundo, não havendo separação entre espírito e matéria. Essa ideia corresponde ao que se denomina hoje de visão sacralizada da natureza: os frutos e as coisas da terra, assim como os demais elementos da natureza, eram considerados deuses ou entes sagrados, respeitados pelo seu poder de propiciar a vida.
Os cultos sagrados dessas sociedades reverenciavam à Terra e seus elementos constituintes, portanto, suas religiões eram predominantemente politeístas.
Com o passar dos anos, algumas sociedades, submetidas no passado ao ritmo da natureza, provocaram uma mudança fundamental na maneira de se relacionar com ela.
Isso significou uma mudança no modo de pensar, e assim, outra ideia de natureza passou a ser construída.
Essa ruptura no modo de ver e no relacionamento entre o homem e a natureza representou um processo de dessacralização, ou seja, a natureza e os frutos por ela oferecidos deixaram de ser considerados sagrados.
A maioria dos estudiosos se reporta à filosofia grega de Platão e de Aristóteles, base da moderna civilização ocidental, para mostrar que no século V a.C. a ideia de que a natureza existia para servir ao ser humano começou a ser esboçada.
Posteriormente, há a incorporação da filosofia grega pela tradição judaico-cristã, segundo a qual o homem teria sido criado à imagem e semelhança de Deus, completando a separação entre o espírito e a matéria, o homem e a natureza.
Essa separação foi traduzida pela concepção do antropocentrismo, em que o homem era o centro do universo e, assim, o único ser capaz de dominar a natureza.
Surgiram, então, as religiões monoteístas, que se tornaram hegemônicas no mundo ocidental, discriminando e reprimindo as práticas religiosas politeístas, baseadas na sacralização da natureza.
A importância dessa ruptura reside no fato de que o ser humano, fora da natureza, estaria livre para dominá-la, transformando-a em mercadoria.
É, pois, nesse sentido que se considera a gênese das sociedades modernas, fundamentada nesse processo de dessacralização da natureza.
Na Umbanda, a natureza é vista como um templo sagrado, cheio de energias divinas e espíritos ancestrais. Árvores, rios, animais e plantas são considerados sagrados e são frequentemente utilizados em rituais espirituais.
No período das revoluções científicas e industriais, o homem passou a enxergar-se como distinto e separado da natureza. O antropocentrismo sinalizou o homem como superior ao meio, as relações entre humanidade e natureza foram resumidas na mercantilização de recursos naturais e de animais. A ciência denominou que o universo se estende pela matemática, e tudo aquilo que não pode ser tocado, visto ou medido na natureza, não existe.
Infelizmente, o homem passou a esquecer de cultivar a sua espiritualidade, valorizar a sua intuição, reconhecer seus sentimentos e caminhar em busca pelo conhecimento mental, o autoconhecimento, a conexão consigo mesmo. A sociedade foi ensinada e moldada para se relacionar com o meio de uma forma não-espiritual, enxergando que a natureza existe para proveito humano, e os animais para atender necessidades de consumo.
* A cultura religiosa nativa (indígena) praticamente desapareceu, restando só uns poucos redutos do antigo culto natural aqui existente antes da expansão colonial.
* A cultura religiosa africana, semelhante em alguns aspectos à dos nativos brasileiros, aqui se adaptou tão bem que índios e negros (ambos escravos do branco colonizador) se entenderam religiosamente, já que ambos associavam suas divindades a fenômenos da natureza. Ou não é verdade que "Tupã" é muito semelhante a Xangô, Orixá dos raios, e Iansã, Orixá das tempestades? Tupã era associado aos trovões e aos raios que devastavam as árvores que atingiam e causavam incêndios.
* A cultura religiosa cristã de então, sustentadora em boa parte da crença em santos poderosos, forneceu a chave para o sincretismo entre as divindades nativas e africanas e os santos católicos. Fato este que até facilitou a catequização dos índios, pois os catequizadores, astutamente, lhes diziam que Deus era Tupã e com isso batizavam e convertiam um povo desprovido de uma doutrina religiosa e de uma teologia pensada em termos expansionistas. E o mesmo se aplica aos negros escravizados e separados de suas raízes religiosas do outro lado do Atlântico.
* Quanto ao espiritismo Kardecista, este forneceu a chave que explicou cientificamente tanto a religião nativa quanto os cultos de nação ou afro-brasileiros, pois explicou a possessão religiosa como incorporação dos espíritos em pessoas dotadas com esta faculdade mediúnica.
Nada é por acaso, e aqui vemos claramente a sapiência divina dos arquitetos das religiões, porque elementos religiosos não conflitantes foram sendo reunidos pacientemente, e pouco a pouco os pontos em comum foram servindo de elo entre povos, culturas e religiões distintas.
A Umbanda é esta religião pensada pelos arquitetos e pensadores divinos das religiões, pois é espírita (seus médiuns incorporam os espíritos); é cristã (os santos católicos e o Cristo Jesus ornam seus altares); culto africano (cultuam-se os Orixás e os reverenciam em seus santuários naturais); é pajelança (pois os velhos pajés incorporam e dançam suas danças sagradas durante as sessões de trabalho).
Com isso explicado, passemos ao comentário que justifica a associação entre as divindades da Umbanda (os Orixás) e a natureza terrestre.
É de conhecimento de todos (ou quase) que as antigas religiões (já recolhidas por Deus) possuíam em suas cosmogêneses um Deus criador e pai de muitos "deuses", sendo que estes eram tidos como os manifestadores divinos do poder D'Ele. Poder este que tanto se estendia sobre os seres quanto sobre a própria criação do nosso planeta e todo o universo.
Sempre havia um Deus supremo, superior a todos os deuses. Mas estes eram os concretizadores da criação e aplicadores dos poderes deste Ser supremo na vida dos seres, na das criaturas e na própria natureza terrestre (geografia e climática).
Oras! Se analisarmos as divindades (os Orixás) a partir da natureza, nós os encontramos nos próprios processos genésicos ou criadores de Deus, fato este que justifica os cultos nos santuários naturais (rios, mar, pedreiras, tempo etc). Tudo o que há de visível na criação de Deus é a concretização ou materialização do que não podemos ver, pois existe em uma dimensão e realidade anterior ao nosso plano material.
– Oxum não é as pedras minerais. Mas estas são a concretização ou materialização de sua energia fatoral agregadora de coisas úteis às criaturas e à própria criação, em todas as suas dimensões.
– Iemanjá não é a água do mar. Mas esta é a concretização em nível físico ou material de sua energia fatoral geradora que desencadeia todos os processos genéticos, já que só a água tem esse poder.
Poderíamos explicar todos os Orixás a partir desse raciocínio, pois ele é correto e verdadeiro.
Sim. Os Orixás as divindades de Deus que concretizam sua criação e dão sustentação a ela o tempo todo, pois são, em si, os processos criadores de Deus.
– Oxum não é as pedras minerais. Mas estas são a concretização de um atributo exclusivo dele: a agregação dos outros elementos.
– Iemanjá não é a água. Mas esta é a concretização de um atributo exclusivo dela: desencadear os processos genéticos ou geradores.
Logo, as energias agregadoras de Oxum estão no processo formador das pedras minerais e estão sendo irradiadas o tempo todo por elas. Portanto, cultuá-la nas cachoeiras pedregosas ou na própria água doce que corre nelas é o meio mais natural de sintonizá-la vibratória, energética e magneticamente, já que é através do material ou físico que chegamos ao imaterial ou espiritual ou divino.
Oxum não é o cobre ou as pedras minerais. Mas ambos são concretização física desse seu poder divino geracionista.
Voltando ao início do nosso comentário, nem os índios nativos nem os povos africanos adoravam a natureza em si, mas sim as potências associadas aos muitos aspectos desta natureza viva e capaz de alimentá-los ou de castigá-los com inclemência caso lhe fugisse ao controle.
– Quem dominaria uma tempestade ou uma seca, uma enchente ou um incêndio, um raio ou um vulcão? Ainda mais sem os atuais recursos técnicos que temos à nossa tendência. Não é mesmo?
Logo, tanto é correto um católico evocar Santa Bárbara durante uma tempestade quanto um umbandista evocar Iansã e oferendá-la após a passagem da tormenta, pois ambos estão submetidos a um fenômeno climático incontrolável por eles, mas não pelas divindades (a santa ou o Orixá).
"Por que a Umbanda cultua, oferenda e reverencia as divindades associadas à natureza terrestre?
A Umbanda é uma religião sincrética, pois fundiu quatro culturas religiosas e criou uma quinta, já com feições próprias, pois não é culto de nação; não é espiritismo; não é pajelança; e não é cristianismo, mas, é Umbanda, a religião brasileira por excelência, e é um reflexo da religiosidade desta nação onde os opostos e as paralelas não só se tocam ou se encontram, como também costumam se fundir, misturar e mesclar, originando novas feições para coisas já tradicionais.
É importante enxergar que todo o progresso e o avanço científico e industrial existe e representa fatores importantes para a sociedade, mas em contrapartida, representa um déficit na construção de uma forma harmoniosa de se relacionar com o meio, de olhar mais para si através do autoconhecimento, e de desenvolver a nossa espiritualidade em unidade com a natureza.
Todos esses fatores citados acima nos compõem intrinsecamente. A natureza externa conversa com a nossa natureza interna. É através dela que conseguimos nos reconectar com a nossa mente de uma forma mais calma, sem a freneticidade do nosso dia-a-dia. A natureza manifesta vitalidade em nosso corpo, é capaz de regenerar a nossa energia.
Toda a força da terra e dos pés no chão funcionam como um magnetismo que provoca um descarregamento de energia, e leva embora toda a energia que não nos cabe mais. E aí, somos tomados pela força enérgica da vitalidade, que nutre todos os seres que compõem a mata, os mares, as florestas.
Essa conexão pode parecer irreal para algumas pessoas que nunca a sentiram, mas é através da espiritualidade que conseguimos alcançá-la. A espiritualidade não está presente apenas nas religiões, existem vastos caminhos para despertá-la e vivenciá-la. As religiões trazem consigo um sistema de regras, dogmas, crenças, e quem se identifica realmente com elas, podem segui-las sem problemas. Mas a espiritualidade em essência independe desses aspectos. A espiritualidade é livre, é a sua forma pessoal de se relacionar com o sagrado, com o transcendente.
É importante reconhecer que o sagrado, o transcendente, não é necessariamente Deus. Digo, não aquele Deus do cristianismo ou de qualquer outra religião. A espiritualidade transcende essa ideia, ela é livre e vasta. A sua relação com o divino pode ser feita através do contato com a natureza, ou com o contato consigo mesmo, através da meditação, pode ser também algo que te traga muito sentido, como a prática de algum esporte ou hobbie.
Tudo aquilo que te conecta com algo maior que você, pode ser chamado de espiritualidade.
O autoconhecimento é um caminho para alcançar a espiritualidade, para se conectar com a natureza. É através dele que nos tornamos conscientes da nossa totalidade, onde a perspectiva de mundo e da forma que você se relaciona com ele não fica presa ao Ego, ela amplia. Passamos a entender que somos muito mais do que os nossos gostos, muito mais do que é certo ou errado, não ficamos presos a uma ideia de identidade, pois tudo isso limita. O autoconhecimento nos dá a capacidade de perceber que estamos além de tudo isso. Somos o todo e parte dele. Somos a natureza também.
O contato com a natureza nos permite questionarmos, permite entrarmos em um contato mais profundo com o nosso Eu, ele representa um ritual de autocuidado que podemos preservar para a nossa vida. Considere perceber que você faz parte da natureza, assim como ela de você. Tudo está conectado.
A natureza e espiritualidade são duas forças motrizes para uma vida saudável e cheia de boas vibrações. Pois com um equilíbrio entre a mãe terra (e suas propriedades naturais), e o espírito (com sua sabedoria e discernimento), é possível alcançar um patamar de paz e bem-estar muito agradável.
Koinonia é uma palavra grega que seu significado está relacionado à comunhão.
Precisamos urgentemente resgatar nossa comunhão com à Terra e com todos os seres vivos.
Ou retomamos a sacralidade da natureza e a colocamos no centro de nossas vidas, ou será a nossa existência a que poderá não mais fazer parte desta natureza.
Comunhão é respeitar a importância de todas as formas de vida e sua relação intrínseca com a nossa.
Viver deve ser para nós um ato de comunhão.
Para Deus, não importa muito como o cultuam ou às suas divindades, mas, sim, importa como fazem isso: com fé, muita fé mesmo!"
Axé