UMBANDA A SABEDORIA QUE VEM DOS ESPÍRITOS
Código Moral
O cheiro forte de defumador perfuma o salão. Em frente um altar, santos, velas e taças com água e cristais se misturam ao meio das oferendas.
O som dos atabaques ecoa no ambiente, onde homens e mulheres vestidos de branco entoam cantos e exaltam guias e orixás.
Evocam espíritos para que se manifestem e tragam orientações. Assim, funciona um ritual num terreiro de umbanda, religião de matriz africana, declarada por apenas 0,3% da população brasileira no último censo do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). No mesmo levantamento, em Pernambuco, somente 3.985 pessoas afirmaram ser umbandistas.
Número que pode ser maior, diz a sacerdotisa Maria Celeste da Silva Costa, 77 anos, responsável pelo Templo Espiritualista Pai Oxoce, no bairro do Ipsep, na Zona Oeste do Recife. "Há um preconceito grande e muitos se dizem católicos, mas na verdade frequentam terreiros e não declaram ao recenseamento".
A umbanda têm um código moral amplo, baseado na lei do retorno. É preciso fazer o bem para recebê-lo e evitar o mal para não sofrê-lo. Neste sentido, a relação entre o bem e o mal está muito vinculada a noção cristã. A ligação passa sempre pelo carma, pela responsabilidade e pelo livre arbítrio.
"Você colhe tudo aquilo que planta.
Sobre o uso de imagens católicas nos terreiros associados a Orixás, Edson explica: "Se você for num terreiro de Xambá tem imagem de santo católico. No terreiro de pai Oxoce também. Como um processo de resistência, de reelaboração, de hibridismo religioso. Na década de 70, porém, isso começou a ser rechaçado por alguns segmentos intelectuais do movimento negro, que aí colocam que o sincretismo não é mais necessário, que foi um processo imposto, um processo de máscara, em que o negro tinha que ocultar a sua religião. De fato, em sua origem, o sincretismo foi uma reação ao preconceito da própria Igreja, que impunha aos negros a sua religião. Até a República, a Igreja Católica e o estado caminhavam juntos. Então, dentro dessa lógica havia uma imposição por parte da igreja. Os próprios protestantes quando chegaram no Brasil foram muito perseguidos", lembra.
A Umbanda é a síntese desse encontro cultural e religioso que foi a formação do povo brasileiro. "Quando se tem o elemento negro a partir dos orixás, do indígena, do caboclo e do católico cristão, relacionando aos santos e a defumação, que também é um ritual vivenciado na Igreja Católica", compara Edson. O povo da umbanda enfrenta muito preconceito e tabus. Um deles está no ritual do sacrifício. "Não podemos negar que exista o sacrifício, mas nas religiões afros não se come animal que passe por sofrimento. Optamos por nos alimentar com animais criados nos terreiros ou em roças e viveiros e não aqueles industrializados", comenta.
Segundo Edson, a comida servida nos terreiros também tem sua função social, alimentando a comunidade vizinha. "Muitos dos templos ficam em áreas onde há famílias em vulnerabilidade social. Essas pessoas participam da obrigação e depois distribuimos a refeição. Muitas vezes, o único frango que ela comeu na semana foi o servido no terreiro", diz.
Os animais consumidos pelos religiosos de matriz africana são criados nas roças e são sacralizados em rituais de fé. "Nesses casos, o animal ofertado não pode ser oriundo de cativeiro comuns às grandes empresas de vendas de aves e carne vermelha. Deve ser saudável e não ter sido criado sob tortura de hormônios. Ele é rezado, cantado e oferendado de maneira que não haja sofrimento, diferente do que ocorre em matadouros. Cerca de 90% do animal sacrificado serve de alimento é ofertado para a comunidade religiosa. O que não serve de alimento é ofertado aos guias como gratidão e elemento de ligação. Muitos terreiros de Umbanda que são mais ligados às matrizes cristãs ou espíritas não praticam o sacrifício animal, mas ele é comum em casas com raízes mais africanistas".
A umbanda sintetiza os componentes básicos da formação do povo brasileiro. Uma mistura de elementos de várias religiosidades, envolvendo africanos, índios e católicos. "O culto aos orixás vem dos africanos, mas o uso de instrumentos como chocalhos e adornos e da magia com fumaça e beberagem, dos índios; e dos católicos, a sincretização nos altares de orixás com imagens de santos. Ogum representado por São Jorge, que traduz a guerra e a luta por ideais. Oxalá por Jesus Cristo, a fé, espiritualidade e a paz".
Estudiosos da religião falam que os rituais de formação da umbanda eram praticados sob o nome de "macumbas", havendo registros destas práticas de magia já no final do século XIX.
Nas primeiras décadas do século XX, a umbanda foi institucionalizada a partir do esforço de sacerdotes e intelectuais praticantes do culto. "A base do culto de umbanda foi trazida para o Brasil na época da escravidão, quando o negro não tinha liberdade para cultuar sua religião livremente. Tudo acontecia às escondidas. Se colocava o santo num otá, numa espécie de pedra sagrada, e este otá ficava dentro da imagem".
A umbanda teria chegado ao país há 108 anos por meio do médium Zélio Fernandino de Moraes, apontado como fundador da religião no país, na cidade de Niterói, no Rio de Janeiro.
Ele sofria de paralisia e na busca pela cura da doença procurou um centro espírita, onde desenvolveu sua mediunidade. Ele incorporava o caboclo Sete Encruzilhadas, que não era aceito pelos espíritas. O que fez ele fundar a religião da umbanda.
Axé